21 dezembro 2007

Natal


NATAL


Frei Betto


Fica decretado que, neste Natal, em vez de dar presentes, nosfaremos presentes junto aos famintos,carentes e excluídos. Papai Noel será malhado como Judas e lacradas aschaminés, abriremos corações eportas à chegada salvítica do Menino Jesus.

Por trazer a muitos mais constrangimentos que alegrias, ficadecretado que o Natal não mais nos travestiráno que não somos: neste verão escaldante, arrancaremos da árvore de Nataltodos os algodões de falsas neves,trocaremos nozes e castanhas por frutas tropicais, renas e trenós porcarroças repletas de alimentos nãoperecíveis, e se algum papai noel sobrar por aí, que apareça de bermuda echinelas.

Fica decretado que as crianças, em vez de brinquedos e bolas,pedirão bênçãos e graças, abrindo seuscorações para destinar aos pobres todo o supérfluo que entulha armários egavetas. A sobra de um é a necessidadede outro, e quem reparte bens, partilha Deus.

Fica decretado que, pelo menos um dia, desligaremos toda aparafernália eletrônica, inclusive o telefone, e,recolhidos à solidão, faremos uma viagem ao interior de nosso espírito, láonde habita Aquele que, distinto de nós,funda a nossa verdadeira identidade. Entregues à meditação, fecharemos osolhos para ver melhor.

Fica decretado que arrancaremos a espada das mãos de Herodes enenhuma criança será mais condenadaao trabalho precoce, violência, surra ou humilhação. Todas terão direito àternura e à alegria, à saúde e à escola,ao pão e à paz, ao sonho e à beleza.

Fica decretado que, nos locais de trabalho, as festas de fim deano terão o dobro de seus custos convertidosem cestas básicas a famílias carentes. E será considerado grave pecado abriruma bebida de valor superiorao salário mensal do empregado que a serve. Como Deus não tem religião, fica decretado que nenhum fielconsiderará a sua religião mais perfeita quea do outro. O Menino do presépio veio para todos, indistintamente, e não hácomo professar o Pai Nosso se o pãotambém não for nosso, mas privilégio da minoria abastada.

Fica decretado que toda dieta se reverterá em benefício do pratovazio de quem tem fome, e que ninguémdará ao outro um presente embrulhado em bajulação ou escusas intenções. Otempo gasto em fazer laços sejamuito inferior ao dedicado a dar abraços.

Fica decretado que as mesas de Natal estarão cobertas de afetoe, dispostos a renascer com o Menino,trataremos de sepultar iras e invejas, amarguras e ambições desmedidas, paraque o nosso coração sejaacolhedor como a manjedoura de Belém.

Fica decretado que, como os reis magos, todos daremos um voto deconfiança à estrela, para que elaconduza este país a dias melhores. Não buscaremos o nosso próprio interesse,mas o da maioria, sobretudo dosque, à semelhança de José e Maria, foram excluídos da cidade e, como umafamília sem terra, obrigados aocupar um pasto onde brilhou a esperança.